sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Por que mataram o Centro de Saúde Mental de S. Bernardo?

Algures no tempo, não muito distante, um decreto ou ordem impensada, como tantas deliberadas neste pobre país, sentenciou a morte a um espaço destinado a doentes com problemas psiquiátricos.

Onde estava eu nessa altura? Certamente longe, muito longe de saber que um dia poderia precisar dele.

O mundo que gira à nossa volta passa-nos ao lado quando o não sentimos na carne. E eu, e outros tantos como eu, deixaram fugir um abrigo que nos poderia ser útil no amanhã. E isto porque o mal dos outros é deles, e não nosso.

O amanhã chegou e então hoje rói-me na carne o mal que foi dos outros ontem.

Hoje, Aveiro precisava do Centro de Saúde Mental. Não é preciso pensar muito para chegar a essa conclusão.

Para onde foi aquela gente que ali tinha a sua guarida e o seu trabalho? Quis saber! Mas o desalento saudoso abafa as vozes daqueles que a seu tempo lá trabalharam e apenas dizem “ foram… sem qualquer apoio psicológico aqueles que de nós tanto precisavam”

Foram… foram para onde?

Toco à campainha da porta meia envidraçada do internamento de Psiquiatria do Hospital de Aveiro. Olham-me olhos perdidos neste mundo. Perdidos de si, perdidos no outro, apenas achados em mim, porque também aí tenho um bocado dos meus.

Que pensam aquelas gentes paradas de olhar vazio? Invejam-me o sol, o céu e o vento fresco desta Terra que nada tem para os ajudar. “Quando sair daqui quero ir ver o horizonte!” dizia-me o Carlos, doente neste pedaço de prisão. Eu entendi-o. Palavras que me tocaram e me fazem falar agora. O que diria o meu filho se soubesse falar? Talvez o mesmo, mas como não fala, limita-se a urrar amarrado à sua cadeira.

Dói-me muito vê-lo assim e ver os outros. Mas, infelizmente, eu sei que tem de ser assim dada a gravidade do caso. No entanto, não consigo compreender porque têm eles que estar ali emparedados, quando tão perto do Hospital existe um edifício que outrora serviu os mesmos fins e que hoje está entregue a um semi-abandono. Semi, porque a Junta de S. Bernardo tem tido o bom senso de lhe fazer limpezas regulares para não acentuar mais a sua degradação. Embora metido entre prédios seria, sem ponta de qualquer dúvida, o tal bocado de sol, de céu e de ar fresco da nossa Aveiro que dariam aos utentes desta ala do Hospital.

Apenas trinta e três camas albergam todo um distrito, só estas porque não há espaço para mais. Quantas mais não seriam necessárias? Que o digam os Técnicos! Não teria S. Bernardo a capacidade de prestar mais e melhores cuidados de saúde nesta área? Não se atenuaria a permanência dos doentes em locais hoje nada agradáveis? Não se suavizaria o trabalho dos técnicos que lidam com tão complexos casos? Novamente, que o digam os Técnicos e toda a população desta terra.

Não se iludam, procurem saber e verão que as Instituições que ajudam o deficiente / doente mental ou outros e as suas famílias estão, como diz a expressão “ a rebentar pelas costuras”. Estas Instituições lutam arduamente para sobreviver, são mal-subsidiadas e muitas vezes acusadas pelo bem que fazem. Fazem o que podem e o que não podem para ajudar aqueles que lhes batem à porta. Mas quantos mais ficam sem apoio? Muitos, muitos mesmo muitos, mais do que imaginamos e há poucas, tão poucas Instituições para os socorrer. E digo-vos muito menos haverão enquanto houver pseudo-sanomentais a passar certidões de óbito ou outro tipo de ordenanças de morte a espaços onde os nossos filhos, irmãos e outros familiares poderiam ser acolhidos depois da nossa morte ou incapacidade em os termos junto a nós.

Angustia-me o amanhã e sinto muita vergonha por só hoje tocar num assunto que poderia já ter aberto as portas a tantos que, silenciosamente, sofrem neste “cantinho à beira-mar plantado”, onde a brisa da democracia e dignidade fenece, moribunda, perante o olhar impensado e prepotente daqueles que deliberam e que também se deveriam envergonhar.


Milú

Aveiro, 22 de Julho de 2008

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